“Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso..
“..ou cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de confidente, que se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas. Tal como a viúva confiante, que acorda um belo dia e descobre que aquele rapaz encantador e todas as suas economias sumiram, o indivíduo que consente em ser tema de um escrito não-ficcional aprende – quando o artigo ou livro aparece – a sua própria dura lição. Os jornalistas justificam a própria traição de várias maneiras, de acordo com o temperamento de cada um. Os mais pomposos falam de liberdade de expressão e do “direito público a saber”; os menos talentosos falam sobre arte; os mais decentes murmuram algo sobre ganhar a vida.
A catástrofe, para aquele que é tema, não é uma simples questão de um retrato pouco lisonjeiro, ou de uma apresentação errônea de suas opiniões; o que dói, o que envenena e algumas vezes o leva a extremos do desejo de vingança, é o engano de que foi vítima. Ao ler o artigo em questão, ele tem que enfrentar o fato de que o jornalista – que parecia tão amigável e solidário, tão interessado em entendê-lo plenamente, tão notavelmente sintonizado com o seu modo de ver as coisas – nunca teve a menor intenção de colaborar com ele na sua história, mas pretendia, o tempo todo, escrever sua própria história.”
Primeiro trecho do livro: O jornalista e o assassino de Janet Malcolm, Companhia das letras, 1990.